Aqui já usei quase todo o meu repertório masoquista e desfiz boa parte das minhas ideias comunistas. Esse espaço é meu, mas desejei compartilhá-lo com o mundo, se você faz parte dele...Então seja muito bem vindo(a)!

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Uma criança, Uma mulher, Eu.



Sentada deteve-se alguns segundos a observar todos aqueles rostos à sua volta. Era a sala de espera de uma clínica, ou pelo menos deveria ser. Muitas pessoas aguardavam ansiosas pela sua vez, havia uma enorme TV com o som quase inaudível diante dos vozeirões masculinos que curiosamente se entrelaçavam em meio a tantas outras vozes ali.


Uma criança. Uma mulher. Eu.

Fiquei sentada mesmo, sou sedentária e ainda que eu quisesse não poderia ficar em pé, sempre chamei muita atenção. Não sei se pela exótica cara de mau-humor ou se pela altura.

Passeando pela sala com meus olhos instigantes, curiosos e sedentos por um rosto que fosse, quem sabe um fato que me fizesse escrever. Mas nada. Abri um livro que trouxe na bolsa, ironicamente “A arte de escrever” e tornando a me fixar nas palavras dos outros fui interrompida na leitura que estava prestes a ganhar sabor, o que me irritou, pois obriguei Schopenhauer a abruptamente se calar.

Aborrecida fiquei, mas novamente ao levantar os olhos e examinar ao me redor, vi algo que poderia me salvar daquele raiva tediosa: uma revista! Sim, uma revista. Vamos lá caro leitor, não seja tão pedante. Não estou falando da Caras, tampouco da Ti-ti-ti, falo da Algo Mais, a revista pernambucana que até eu mesma desconhecia (e não estou tentando fazer propaganda barata, apenas tenho a honestidade de dar a César o que de César é!).

Estampado para mim o nome Clarice estava em alguns centímetros da margem direita da capa. Quase como a um susto respondi ao estímulo visual e de ímpeto tomei a revista em minhas mãos à procura dela. E a encontrei ali na foto de uma velha revista, sorrindo. E um riso misteriosamente escandaloso, como se quisesse debochar de mim rodeada de burgueses estúpidos e hipocondríacos.

Não me ofendi, comecei a ler a matéria que se intitulava: O Recife de Clarice, instantaneamente toda a minha alma caiu numa hilariante e absoluta gargalhada. A primeira imagem era de Clarice de luto no Centro do Recife, uma provocação a minha pessoa. Na página seguinte vi e bastou-me fechar os olhos para imaginar e sentir o cheiro daqueles sobrados da Boa Vista respirando.

Entendi. Clarice esteve aqui sempre, a rejeitei por tanto tempo para hoje estar toda Clarice, infectada por completo. E gosto dessa doença, me faz bem! Já triste fui para a página final, na verdade quase chorei pelas palavras escritas tão docemente ali. Engoli seco quando li o comentário de Raimundo Carrero, aquele que foi importante pra que eu aceitasse que não existiria sentido na minha vida sem as palavras. No comentário falava da influência da cidade onde nasci na obra dela.

Clarice impregnada de Recife, eu impregnada de Clarice, de Recife, de mim.

Clarice morreu para muitos, mas para mim ela está bem viva. Ao concluir a matéria fiquei como criança ansiosa em busca de presente. C. Lispector me olhou como se pedisse para ir comigo. Tive dó, um dó que vem do coração e atendi seu pedido tão clemente: Roubei as duas folhas que a continham. As duas folhas que mudaram o meu dia!

Mas as roubei com um nervoso de quem rouba milhões, Clarice poderia ter o rosto rasgado pelas mãos trêmulas de quem seqüestra em público. Puxei-as sorrateiramente até que ela piscou para mim, agradecendo pelo gesto bondoso de tirá-la dali.

Niilismo de mim.

Que o meu vazio seja fecundo, porque cansei de estar ocupada no meu próprio ócio para não deixar emegir a consciência de mim mesma. O experienciar-se sozinho é doloroso quando já se provou estar sempre acompanhado.

Quando à beira do precipício resolvi andar para trás e não me lançar a sorte da própria morte, meu ser junto a essa escolha veio sentir novamente a dor de saber-se existentemente inútil.

Sacudo-me com violência à procura de libertação, busco o meu sentido como o garimpeiro que deseja encontrar ouro. Inevitavelmente eu procuro, todos os dias procuro por esta ausência tão presente em mim.

Som.


Sou quem sou e jamais o que gostariam que eu fosse. Este deve ser um dos motivos que trazem desconforto e incômodo para aqueles que apenas gostariam de ser, mas nada são e mais, para aqueles que criaram expectativas surreais a meu respeito.

Não há quem mo – reprima, o meu desejo hoje só pode ser bloqueado por mim mesma ou por Aquele que me criou. Não mais ouço outras vozes além da minha. Aliás é a minha própria voz que se faz ouvir e que é sempre, sempre audível a mim. E apesar de não ser bela, é minha!

Embora minha alma seja estranha é uma estranha que bem conheço e está presente, absurdamente viva e presente aqui, aqui no meu hoje em mim. E quero que seja assim!
Eis portanto que vos repito: Não desperdicem vossas vozes para comigo, pois hão de precisar dela um dia, nem que seja na hora do grito, aquele que todos dão à chegada triunfal e fixa da morte aos olhos. Não canseis vossas línguas, coloquem-na num descanso, se possível eterno. Farão um bem a todos os homens de boa e de má vontade.

domingo, 17 de janeiro de 2010


"Eu amo tudo que foi

Tudo o que já não é

A dor que já não me dói

A antiga e errônea fé

O ontem que deixou alegria

Só porque foi,e voou

E hoje é já outro dia."

(Fernando Pessoa)


Fito-te - E o teu silêncio é uma cegueira minha.



O meu olhar é nítido como um girassol.

Tenho o costume de andar pelas estradas

Olhando para a direita e para a esquerda,

E de vez em quando olhando para trás...

E o que vejo a cada momento

É aquilo que nunca antes eu tinha visto,

E eu sei dar por isso muito bem...

Sei ter o pasmo essencial

Que tem uma criança se, ao nascer,

Reparasse que nascera deveras...

Sinto-me nascido a cada momento

Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,

Porque o vejo. Mas não penso nele

Porque pensar é não compreender...



O Mundo não se fez para pensarmos nele

(Pensar é estar doente dos olhos)

Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...



Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...

Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,

Mas porque a amo, e amo-a por isso

Porque quem ama nunca sabe o que ama

Nem sabe por que ama, nem o que é amar...



Amar é a eterna inocência,

E a única inocência não pensar...



(Alberto Caeiro, em "O Guardador de Rebanhos").

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Tempo


Sinto a dor, a dor de quem se sente inexistente, aquela que se chega a cada aniversário.
Choro em todos os invernos pela saudade que vem e que fica, dos dias de verão, do tempo que se foi.
E nesse choro, nesse pranto que me desalma vou andando e querendo que o tempo não pare. Porque parando viverei de um passado que desejo não lembrar mais, e andando perpassará a dor do ontem com a do hoje e assim ficarei eu sempre a lamentar.
E de lamento sei viver bem!