O telefone toca, estou sentada. Sinto-me por deveras cansada, cansada de viver, viver também cansa. As horas passaram rapidamente até agora, agora que começo a escrever. Mastigo os segundos lentamente como quem deseja muito ver a vida. E vejo.
Sentada me recordo da minha chegada aqui. Foi por minhas próprias pernas que consegui, e foi também por mim que caminhei lentamente até aí, foi por caminhar assim que fui tomada por uma visão difícil de se apreender e digerir. Justa hora absurda eu vi, vi um pombo, um transeunte e os meus dois olhos percorrendo o entorno de tudo ali. O animal ferido em frente a uma casa lotérica com pessoas de todos os tipos e caras que nunca conheci.
O que enxerguei mesmo foi um pombo e um homem. Um homem que me compreendeu o olhar e um pombo que estava ferido e lançado a própria sorte diante dos homens, diante da vida.
O pombo estava deitado, relutante por alguma coisa que eu desconhecia, o homem o olhava e como eu compreendia: Eu- o pombo- a vida, ambos cansados de viver, mas sem querer nos render à morte aqui.
O homem?
Era um estranho que me explicou o motivo de seu olhar, disse que não gostava de ver bicho sofrer.
O pombo?
Um animal que tragicamente foi atingido por um ônibus. Sorte a dele, já que eu fui atingida fatalmente por ver a face da miséria, por ter a consciência que a vida às vezes dá, dá do mesmo modo..: rápida e gratuitamente.