Aqui já usei quase todo o meu repertório masoquista e desfiz boa parte das minhas ideias comunistas. Esse espaço é meu, mas desejei compartilhá-lo com o mundo, se você faz parte dele...Então seja muito bem vindo(a)!

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Para lembrar de mim



Levantei, não por que eu quisesse, claro! É que quando dá a hora do famigerado do meu cão comer, ele simplesmente liga a sirene de Pavlov e se desembesta a latir. É um saco, eu sei. Mas eu se fosse ele não faria diferente. Odeio passar fome, odeio. E só me dou conta do quanto odeio, justa hora em que estou completamente absorta pela fome, com o estômago colado nas costelas, como dizem os adoradores de hipérboles.

Ontem estava lendo Kafka, assim como quem não quer nada eu fui ao supermercado e por feliz coincidência deparei-me com uma estante de uma editora de bolso. Com a fila para o caixa parada me permiti o luxo de ficar distraída observando os títulos em questão. Foi quando me encontrei com ‘Um artista da fome’, e logo, não pensando muito, inclui na minha lista de indispensáveis do dia. Pronto, a cesta de compras ficou completa!

Cheguei em casa e fui guardar as compras, lembrei de Kafka e corri pra me presentear com uma leitura assim, dada numa terça-feira de agosto. Pensei em como iria ler aquilo na minha última semana de férias...? Eu que deveria ler Augusto Cury, num desses temas autoajuda: Como sobreviver ao último final de semestre ou 12 dicas para sobreviver ao término da faculdade! Mas não, fui ler Kafka mesmo!

Um mergulho, um suspiro, um medo.

Meu Deus o que foi aquilo? No primeiro conto intitulado de “Primeira dor” já deu pra sentir a densidade e respirei fundo na empreitada. Fui lendo e à medida que virava as páginas minha respiração foi ficando ofegante até que na história de “Uma pequena mulher” eu já estava perplexa. Quando chegou no “Artista da fome” eu nem respondia mais aos estímulos do ambiente, estava absolutamente em transe, estática, paralisada num aprisionamento de uma série ininterrupta de pensamentos.

Tive que ir parando, respirando novamente bem devagar, e finalmente fui observar o ambiente pra criar nova coragem, nova roupagem para só assim ir adiante. Kafka consegue me arrancar suspiros chocantes. Eu estava espantada e me perguntando se era possível tanto horror assim... De graça!

Quando já caminhava ao final do conto, permaneceu a indagação me incomodando, será mesmo que é dessa forma que se sentem os artistas? Como assim um espetáculo que a ninguém mais interessa? Como? Que fome é essa? De onde vem...e eu já estava filosofando sem querer.

Cheguei ao final e o que mais me deixou perplexa foi com que destreza foi finalizado o conto, pois que nas últimas palavras do ‘artista da fome’ havia tudo! Ele disse: “Porque eu nunca encontrei a comida que me agradasse. Se eu a tivesse encontrado, acredite, eu não teria feito nenhum alarde e teria comido até me empanturrar, como você e todo mundo” (KAFKA, 2011, p.46).

Não precisei de mais respostas. O que eu precisei, encontrei. Num olhar curioso, de uma criatura que me perguntou se aquela era a biografia de Kafka eu me encontrei de novo e respondi de ímpeto tudo o que sabia, tudo o que naquela hora podia. Mas o que sabia nem sei se era mais verdade. O que respondi foi que não, aquela não era a biografia dele, mas a obra que segundo alguns críticos era a mais autobiográfica. 

Em frações de segundo disse a mim mesma...autobiográfica dele?
Dele nada, minha! Pena que Kafka pensou antes, viveu antes, sofreu antes. Foi tanta identificação em tão pouco tempo que tive a ligeira sensação que nos conhecíamos de algum lugar. Mas aí, aí me lembrei que tivera sido de uma Metamorfose distante, de umas horas perdidas na frente do computador, numa tarde de julho qualquer e sem nenhum fisioterapeuta xeretando nossa conversa. 

Crônica inspirada em: UM ARTISTA DA FOME seguido de NA COLÔNIA PENAL & OUTRAS HISTÓRIAS da L&PM POCKET.


sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Sobre escrever




Sempre achei que tinha talento pra escrever. Primeira mentira! Nunca acreditei nessa história de talento, muito menos de dom...sempre achei que tudo fosse conquistado, e de fato, não estive enganada.

Para escrever um texto comovente, de lágrimas gritantes e olhos admirados, não é necessário ser descendente direto de Shakespeare ou Camões, é preciso apenas um lápis, um papel e um desejo: o de dizer. E por isso eu digo, digo por que digo que escrever é um desejo estranho, ardente, sem muito precedentes, é a vida pulsando em si.

Para escrever é necessário paciência, determinação, amor.

Amor, absurdo amor. Pela vida, pelo dizer que se faz caminho traçado em linhas. A vida não é linear, a escrita jamais poderia ser. Por isso existem as crises, aquelas em que temos tanto a dizer que mesmo a dor sendo dilacerante não conseguimos se quer pensar num traçado perdido, numa palavra qualquer. Viver e escrever são sinônimos para aqueles que sentem o desejo insano de a si mesmo dizer.

Porque há, há os que sobrevivem com as migalhas do mundo e há os que sobrevivem das migalhas do mundo e das migalhas de si. Esses últimos são os poetas. Àqueles que não sabem esconder uma dor assim lancinante, um olhar inquietante e um saber que a si mesmos não enganam: existir é da ordem do impossível.

Escrever torna tudo mais leve. Pegue um papel e diga, você que também pode ser! Veja se não é verdade que o que tem vontade de a si mesmo dizer não é maior?! Chega de modismos cults, de ideias pré-concebidas por pseudointelectuais. Todos são capazes de a si mesmo dizer, é preciso apenas exercitar.

Assim como aprendemos a falar, também precisamos aprender a dizer. E dizer num mundo mudo e movido pelo absurdo, pelo automatismo da rotina diária que muito estraga e desfaz, é difícil. Sobretudo porque a ideia de talento inato ainda é muito difundida...é que alguns pretendem subir nos degraus da fama através de meios assim. Não os denuncio, suas próprias atitudes assim o fazem.

Eis porque nem todos conseguem ser escritores, alguns ainda estão presos a esses conceitos, enquanto outros, verdadeiros medíocres, sobem de algum modo. É difícil escrever, verdade. Mas não é impossível. Por isso vai o meu conselho...Diga, sofra, chore, sangre, se esforce e verás que não há nada do existir que no humano seja exclusivo, a dor de Ser é comum a todos, há os que fogem dela e há o que a encaram.

Desejo que a encare e tenha uma boa escrita!

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Transit-ar




Quantas coisas se passaram....As madrugadas já não são suficientes para o turbilhão de pensamentos que me assolam. Os cinco anos que vivi, das histórias que a ninguém li e que se encontram mescladas na realidade e nos sonhos que esta semana revivi...De repente uma pessoa, em seguida as lembranças. O conservatório, as isoladas, o tempo de estudante pré-vestibular. O tempo de ingenuidade, o tempo de autoconfiança.

Agora? Agora a vida é outra, os amigos são outros, as pessoas que ficaram, estão. No meu passado e nem tão passado assim.  Eu me reencontrei e dei margem a uma série de sentimentos, redimensionei pensamentos, ressignifiquei o que ficou, e o que sobrou eu guardei pra mim.

Eu era meiga, sim?
De uma meiguice que não sei onde nem como, mas que se perdeu no caminho árido e seco que encontrei. Estou procurando os pedaços dos pães que alimentaram os pássaros selvagens na caminhada que percorri. Joguei migalhas na espera que nem todo passarinho comesse, porque achei que nem tudo que existe se pode perder. Boba que eu era, achei que não poderia, havia muita coisa que eu achava que sabia, e nem era mesmo poesia.

Invencível. Mas o que será e porque será que existe essa palavra? Quem é? Que humano é este e de onde vem? Ele existe? Se sim, eu nunca conheci.

As amarras estão se ajustando agora e eu como de costume, estou costurando os pedaços de pano que encontrei no caminho de volta pra casa. O percurso é sempre doloroso, porque as lembranças são doídas, as pessoas que ficaram queridas e o adeus em toda partida é o que se tem. Há também as malas, o que podemos levar e o que fica. E o que não fica não dá pra esquecer rapidamente, é preciso tempo, tempo pra esvaziar.

De tudo o que marcou, cicatrizes, do todo que sobrou, malas vazias- é que muito de mim deixei para trás-, e de tudo que permaneceu, um sorriso meia boca num rosto vivido.

Quem muito chorou sabe como é bom e preciso sorrir. Quem já perdeu vê na vitória a importância de agradecer e ser feliz. E quem já sentiu dor entende que tudo é transitório.

No final a gente compreende que é isso, só isso: o começo, só o começo.