Aqui já usei quase todo o meu repertório masoquista e desfiz boa parte das minhas ideias comunistas. Esse espaço é meu, mas desejei compartilhá-lo com o mundo, se você faz parte dele...Então seja muito bem vindo(a)!

quinta-feira, 25 de março de 2010

Falta

Sinto falta de passar horas de fronte ao mar respirando respirando, apenas respirando e admirando a glória de poder sentir o vento na pele. Imensuravelmente sinto falta, como sinto falta...Das noites olhando e contando as estrelas com meu pai, de ouvi-lo explicando tantas coisas.

Sinto falta de andar na chuva sem me preocupar com o frio que pode me fazer gripar. Dos dias de inverno, os sapatos encharcados, a mochila molhada e as gargalhadas por um olhar captado. Sinto falta do Santa Emília, das minhas eternas amigas, dos estresses de aulas, das lágrimas vertidas, das tantas horas perdidas na biblioteca.

Sinto falta, sim uma enorme falta. Sinto falta até de sentir falta. Dessa nostalgia que me tomava tantas vezes e hoje, hoje só me aparece à noite. Às vezes pela manhã, numa música ou num cheiro saudoso. E vou embora na lembrança, do balanço, da mangueira tão alta, dos cachorros, dos gatos e dos banhos. Das astúcias pueris tão minhas e tão inimagináveis! Do sóton, dos colchões de mola, dos bichos de pé, das quedas, das incontáveis quedas!

Das idas traumatizantes aos hospitais, das cirurgias, dos afagos e mimos depois. Da primeira bicicleta, das escapadas da escola, do nascimento dos meus primos queridos. Dos soluços de tanto chorar, do pavor a agulhas e afins. Das histórias sem fim de voinha e das rimas de voinho. Das broncas e dos castigos. Dos sábados, sim? Os melhores dias da minha vida poderiam ser reduzidos aos sábados!

O percurso para a igreja eram sempre longos e nos faziam dormir. Mas íamos felizes da vida, eu e eles! Nós éramos como os três mosqueteiros, inseparáveis! Unha e carne. E fomos por tanto tempo. Mas agora estou aqui e tudo já não passam de boas lembranças, sim? Boas e eternas recordações que deveras sinto absurdamente falta!

quarta-feira, 17 de março de 2010

Beleza de ser

Uma mulher nasce para amar, mas acima de tudo nasce para ser amada. Vir ao mundo, nascer-se, rasgar-se das entranhas de uma outra.


A mulher tragicamente já nasce com a função de amar, de cuidar. É incumbida a cuidar de. Inevitável, insuportável talvez se assim não fosse. Machismo não, não e não. Fato, realidade!

Mas amar não é tarefa fácil. Cuidar muito menos. Mulheres necessitam de um lar para. Sentir-se, percebe-se mantenedora de um sistema vai muito além do que se possa imaginar. À mulher é incumbido Ser. Ao homem apenas Estar. Absurdo e doloroso por demais seria não havê-los por perto para suportá-los.

Apesar de tudo isso, para ser plenamente uma mulher e exercer este gênero tão incompreendido, precisa-se de um amor, sim de um amor que a tolere nos dias de TPM, que a abrace nos imensos espaços vazios da vida, nos intervalos entre a dor de ser mulher e de se sentir querida no calor de outro corpo.

Para sentir-se mulher é preciso rebelar-se contra o autoritarismo machista, mas também contra o feminismo exagerado, claro. Mulher mulher. Tão bom que é ser mulher...E tão difícil também!

E chorar, chorar numa despedida sem medo algum de que a chamem de mulherzita. E sobretudo amar, amar incondicionalmente até seres incorpóreos e sentir-se bem ao lado de outro alguém tão distinto e ao mesmo tempo tão semelhante.

Estranho

A alegria se transformou em melancolia. O exacerbado léxico em palavras inúteis e desajeitadas. Os pensamentos ansiosos em espaçados e vagos momentos de ócio, puro ócio. Um vácuo a tomou, um vácuo incomum, à noite.

Ouvia música tentava se encher de alguma coisa que não fosse ele. Mas se esvaziava, era vão tentar. Se esvaziava de si mesma e se embebia dele, no calor dos espaços vazios onde ele estava.

E um estranhamento de emoções a tomava.

Se estremecia diante das expectativas que aquele outro estranho tinha trazido assim tão repentinamente. Fazia calor, um calor danado quando percebia aonde tinham ido parar seus pensamentos. Felicidade e melancolia podiam se misturar dessa forma? Ela não conseguia responder.

Estava feliz. Por si...Por ele! Talvez a melancolia viesse do calor que alterou alguma parte dela. A bile negra, quem sabe. Quem sabe? Estranho seria ter a resposta!

domingo, 14 de março de 2010

Oração da Gestalt



”Eu faço as minhas coisas, você faz as suas.

Eu vivo de acordo com as minhas expectativas

Você vive de acordo com as suas.

Você é você e eu sou eu.

E se por acaso nos encontrarmos, será lindo

Senão, nada a fazer.”  (Perls)

Difícil arte de ser mulher

Hours concours em Cannes, um dos filmes de maior sucesso no badalado festival francês foi “Ágora”, direção de Alejandro Amenabar. A estrela é a inglesa Rachel Weiz, premiada com o Oscar 2006 de melhor atriz coadjuvante em “O jardineiro fiel”, dirigido por Fernando Meirelles.

Em “Ágora” ela interpreta Hipácia, única mulher da Antiguidade a se destacar como cientista. Astrônoma, física, matemática e filósofa, Hipácia nasceu em 370, em Alexandria. Foi a última grande cientista de renome a trabalhar na lendária biblioteca daquela cidade egípcia. Na Academia de Atenas ocupou, aos 30 anos, a cadeira de Plotino. Escreveu tratados sobre Euclides e Ptolomeu, desenvolveu um mapa de corpos celestes e teria inventado novos modelos de astrolábio, planisfério e hidrômetro.

Neoplatônica, Hipácia defendia a liberdade de religião e de pensamento. Acreditava que o Universo era regido por leis matemáticas. Tais ideias suscitaram a ira de fundamentalistas cristãos que, em plena decadência do Império Romano, lutavam por conquistar a hegemonia cultural.

Em 415, instigados por Cirilo, bispo de Alexandria, fanáticos arrastaram Hipácia a uma igreja, esfolaram-na com cacos de cerâmica e conchas e, após assassiná-la, atiraram o corpo a uma fogueira. Sua morte selou, por mil anos, a estagnação da matemática ocidental. Cirilo foi canonizado por Roma.

O filme de Amenabar é pertinente nesse momento em que o fanatismo religioso se revigora mundo afora. Contudo, toca também outro tema mais profundo: a opressão contra a mulher. Hoje, ela se manifesta por recursos tão sofisticados que chegam a convencer as próprias mulheres de que esse é o caminho certo da libertação feminina.

Na sociedade capitalista, onde o lucro impera acima de todos os valores, o padrão machista de cultura associa erotismo e mercadoria. A isca é a imagem estereotipada da mulher. Sua autoestima é deslocada para o sentir-se desejada; seu corpo é violentamente modelado segundo padrões consumistas de beleza; seus atributos físicos se tornam onipresentes.

Onde há oferta de produtos – TV, internet, outdoor, revista, jornal, folheto, cartaz afixado em veículos, e o merchandising embutido em telenovelas – o que se vê é uma profusão de seios, nádegas, lábios, coxas etc. É o açougue virtual. Hipácia é castrada em sua inteligência, em seus talentos e valores subjetivos, e agora dilacerada pelas conveniências do mercado. É sutilmente esfolada na ânsia de atingir a perfeição.

Segundo a ironia da Ciranda da bailarina, de Edu Lobo e Chico Buarque, “Procurando bem / todo mundo tem pereba / marca de bexiga ou vacina / e tem piriri, tem lombriga, tem ameba / só a bailarina que não tem”. Se tiver, será execrada pelos padrões machistas por ser gorda, velha, sem atributos físicos que a tornem desejável.

Se abre a boca, deve falar de emoções, nunca de valores; de fantasias, e não de realidade; da vida privada e não da pública (política). E aceitar ser lisonjeiramente reduzida à irracionalidade analógica: “gata”, “vaca”, “avião”, “melancia” etc.

Para evitar ser execrada, agora Hipácia deve controlar o peso à custa de enormes sacrifícios (quem dera destinasse aos famintos o que deixa de ingerir…), mudar o vestuário o mais frequentemente possível, submeter-se à cirurgia plástica por mera questão de vaidade (e pensar que este ramo da medicina foi criado para corrigir anomalias físicas e não para dedicar-se a caprichos estéticos).

Toda mulher sabe: melhor que ser atraente, é ser amada. Mas o amor é um valor anticapitalista. Supõe solidariedade e não competitividade; partilha e não acúmulo; doação e não possessão. E o machismo impregnado nessa cultura voltada ao consumismo teme a alteridade feminina. Melhor fomentar a mulher-objeto (de consumo).

Na guerra dos sexos, historicamente é o homem quem dita o lugar da mulher. Ele tem a posse dos bens (patrimônio); a ela cabe o cuidado da casa (matrimônio). E, é claro, ela é incluída entre os bens… Vide o tradicional costume de, no casamento, incluir o sobrenome do marido ao nome da mulher.

No Brasil colonial, dizia-se que à mulher do senhor de escravos era permitido sair de casa apenas três vezes: para ser batizada, casada e enterrada… Ainda hoje, a Hipácia interessada em matemática e filosofia é, no mínimo, uma ameaça aos homens que não querem compartir, e sim dominar. Eles são repletos de vontades e parcos de inteligência, ainda que cultos.

Se o atrativo é o que se vê, por que o espanto ao saber que a média atual de durabilidade conjugal no Brasil é de sete anos? Como exigir que homens se interessem por mulheres que carecem de atributos físicos ou quando estes são vencidos pela idade?

Pena que ainda não inventaram botox para a alma. E nem cirurgia plástica para a subjetividade.

Publicado por editor em 27 de junho de 2009 em Reflexões.
Frei Betto

segunda-feira, 8 de março de 2010

Luz

O difícil não é querer fazer a vontade de Deus, mas permanecer, perseverar neste querer. O difícil é lutar contra o mundo inteiro, é ser luz sempre onde só há escuridão e mesmo assim não deixar que as trevas dos que estão próximos a ti te atinjam e sim que a tua luz ilumine a vida destes.

O difícil não é amar os teus amigos, os teus familiares. É amar aquele que te calunia, que te odeia, te esbofeteia com palavras injustas. É difícil até se amar num mundo que te diz a todo instante que você só vale o que tem quando você apenas sobrevive da graça de Deus e do suor do seu rosto.

E o pior ou o mais difícil não é tudo isso, mas chegar na Igreja de Cristo e encontrar todos esses Des-valores impregnados e arraigados dentro dos corações daqueles que foram chamados e até mesmo dentro dos corações dos escolhidos.

Neste momento só me resta clamar pela misericórdia do Senhor na vida dos que ainda estão tentando se manter acordados e com suas luzes acesas. E chorar, sim chorar. Ora de tristeza, ora de alegria por saber que apenas está se cumprindo a palavra de Deus. Desejo apenas que nem eu, tampouco minha família entre para a porta larga para que se cumpra o número de perdidos nesta terra que não é nossa!


Velha

É na dor que nos vemos e nos sentimos humanos, nos demais momentos não somos. Hoje sou uma lagarta e jamais tornarei a ser borboleta.
O melhor da vida já passou.
A infância já passou, a adolescência já passou e o amor não existe como antes, pelo menos para mim.

Deveras sinto uma humanidade absurdamente humana, que me fere e me faz gemer a cada hora que se passa pela impotência de assim me perceber. Frágil demais e condenada a ser livre sempre. Condenada a própria insignificância. À fugacidade de uma felicidade que não sei se provarei algum dia.

Fadada a ser quem sou na velhice que me espera. E vou ao encontro dela e me vejo nos velhos desamparados e abandonados pelo mal de terem vivido muito. Porque felizes são os que cedo morrem, pois desconhecem o humano que porventura possa haver em si.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Ante-paro

Gosto de me sentir desamparada às vezes. De dormir no sofá mesmo sabendo que era coisa tal proibida pelo excesso de cuidado materno.

De acordar por conta própria toda dolorida pelo sabor do desamparo teimoso que insiste em me fazer provar.

Provar do amargo e do doce de viver só.

Sozinha.

Todos os dias conquisto algo diferente, hoje foi o desamparo. Ontem a solidão. Amanhã a alegria de chegar e encontrar a bagunça que deixei exatamente no mesmo lugar.

Livros papéis e bolsas espalhadas no chão do meu mundo. Fotografias e histórias que permanentemente me prendem a um passado.

Não tenho passado aqui. Vivo apenas o presente que escolhi. Porque escolhi seguir em frente minhas conquistas serão sempre absurdamente diferentes. Ninguém entende, senão eu mesma. Nem poderiam.

Mas prefiro que seja assim: segredo meu, entre eu e eu mesma. Não sei contar. Sobretudo não poderia. Na verdade nunca senti a menor vontade!