Levantei, não por que eu quisesse,
claro! É que quando dá a hora do famigerado do meu cão comer, ele simplesmente
liga a sirene de Pavlov e se desembesta a latir. É um saco, eu sei. Mas eu se
fosse ele não faria diferente. Odeio passar fome, odeio. E só me dou conta do quanto
odeio, justa hora em que estou completamente absorta pela fome, com o estômago
colado nas costelas, como dizem os adoradores de hipérboles.
Ontem estava lendo Kafka, assim
como quem não quer nada eu fui ao supermercado e por feliz coincidência
deparei-me com uma estante de uma editora de bolso. Com a fila para o caixa
parada me permiti o luxo de ficar distraída observando os títulos em questão.
Foi quando me encontrei com ‘Um artista da fome’, e logo, não pensando
muito, inclui na minha lista de indispensáveis do dia. Pronto, a cesta de
compras ficou completa!
Cheguei em casa e fui guardar as
compras, lembrei de Kafka e corri pra me presentear com uma leitura assim, dada
numa terça-feira de agosto. Pensei em como iria ler aquilo na minha última
semana de férias...? Eu que deveria ler Augusto Cury, num desses temas autoajuda:
Como sobreviver ao último final de semestre ou 12 dicas para sobreviver ao
término da faculdade! Mas não, fui ler Kafka mesmo!
Um mergulho, um suspiro, um medo.
Meu Deus o que foi aquilo? No
primeiro conto intitulado de “Primeira dor” já deu pra sentir a densidade e
respirei fundo na empreitada. Fui lendo e à medida que virava as páginas minha
respiração foi ficando ofegante até que na história de “Uma pequena mulher” eu
já estava perplexa. Quando chegou no “Artista da fome” eu nem respondia mais aos estímulos do ambiente, estava absolutamente em transe, estática, paralisada num
aprisionamento de uma série ininterrupta de pensamentos.
Tive que ir parando, respirando
novamente bem devagar, e finalmente fui observar o ambiente pra criar nova
coragem, nova roupagem para só assim ir adiante. Kafka consegue me arrancar
suspiros chocantes. Eu estava espantada e me perguntando se era possível tanto
horror assim... De graça!
Quando já caminhava ao final do conto,
permaneceu a indagação me incomodando, será mesmo que é dessa forma que se
sentem os artistas? Como assim um espetáculo que a ninguém mais interessa?
Como? Que fome é essa? De onde vem...e eu já estava filosofando sem querer.
Cheguei ao final e o que mais me
deixou perplexa foi com que destreza foi finalizado o conto, pois que nas
últimas palavras do ‘artista da fome’ havia tudo! Ele disse: “Porque eu nunca
encontrei a comida que me agradasse. Se eu a tivesse encontrado, acredite, eu
não teria feito nenhum alarde e teria comido até me empanturrar, como você e
todo mundo” (KAFKA, 2011, p.46).
Não precisei de mais respostas. O
que eu precisei, encontrei. Num olhar curioso, de uma criatura que me perguntou
se aquela era a biografia de Kafka eu me encontrei de novo e respondi de ímpeto
tudo o que sabia, tudo o que naquela hora podia. Mas o que sabia nem sei se era
mais verdade. O que respondi foi que não, aquela não era a biografia dele, mas
a obra que segundo alguns críticos era a mais autobiográfica.
Em frações de
segundo disse a mim mesma...autobiográfica dele?
Dele nada, minha! Pena que Kafka pensou antes, viveu antes, sofreu antes. Foi tanta identificação em tão pouco tempo que tive a ligeira sensação que nos conhecíamos de algum lugar. Mas aí, aí me lembrei que tivera sido de uma Metamorfose distante, de umas horas perdidas na frente do computador, numa tarde de julho qualquer e sem nenhum fisioterapeuta xeretando nossa conversa.
Dele nada, minha! Pena que Kafka pensou antes, viveu antes, sofreu antes. Foi tanta identificação em tão pouco tempo que tive a ligeira sensação que nos conhecíamos de algum lugar. Mas aí, aí me lembrei que tivera sido de uma Metamorfose distante, de umas horas perdidas na frente do computador, numa tarde de julho qualquer e sem nenhum fisioterapeuta xeretando nossa conversa.
Crônica inspirada em: UM ARTISTA DA FOME seguido de NA COLÔNIA PENAL & OUTRAS HISTÓRIAS da L&PM POCKET.