Estou com vontade de chorar meu
ser inteiro. De falar por lágrimas, do amor que eu tenho e que nunca soube dar a
tanta gente assim.
Eu tenho poucas pessoas
indispensáveis, tenho pouco amor, mas o que eu tenho eu não admito a ideia de
perder. É que dói demais saber que certas pessoas não duram para sempre.
O amor é eterno, então por que as
pessoas morrem?
Ninguém entende que amor de vó é um copo de leite
derramado duas vezes na mesma boca do fogão? Se demorar, o tempo só faz o leite se fixar
mais!
Não há nada do mundo que eu possa
comparar, mas posso falar do sentimento de gratidão que eu tenho pela senhora, minha
avó, a mulher temente a Deus que me ensinou tudo o que eu sei hoje a respeito
do Deus Pai.
Das histórias que me contou eu
lembro bem de quando falou sobre o céu, eu tinha quatro anos...e disse que
iríamos morar lá e que teríamos a companhia dos animais, do leão e dos grandes
bichos selvagens, que no céu não nos fariam mal.
Também me disse um dia que viu um
anjo enorme, do tamanho da porta da igreja, e ele tinha uma espada desembainhada...engraçado voinha, é que nesse dia eu não dormi.
Contou dos cangaceiros, dos quais nunca teve medo.
Dos livramentos de Deus na vida,
e do enorme amor que Ele tinha por toda a humanidade.
Foi de tanto contar tudo isso que
eu quis esse Deus pra mim também. Queria esse amor, queria um pai, como chama todas as vezes às 3h da madrugada.
Quando criança eu era muito esperta,
acompanhava tudo bem atenta...se lembra? Na primeira oportunidade depois de saber que
também falava com Deus de madrugada, eu me levantei, e desde então te acompanhei. Eram todas as noites incansavelmente, e eu ia junto...e aprendi a
ouvir o silêncio da madrugada como amor... E que amor!
Respirava Deus, acordava com Deus
e pedia pra Ele ficar com com a gente mesmo quando errássemos, e o mais bonito,
Ele ficava. Voinha talvez a senhora não saiba, mas de tanto que amou a Deus, eu passei a amar também. O amor transborda...e transbordou porque era amor.
Queria que visse que eu aprendia, e tudo o que eu aprendia eu te contava, ensinava também. Até as tarefas da escola,
eu te mostrava na esperança de um dia ensiná-la a ler.
“Que amor grande", eu pensava..."minha avó gosta mesmo de mim!". Porque mesmo eu doente ela nunca reclamou. Sabia me amar com o amor que eu precisava, e não pedia de vergonha, sempre fui vergonhosa quando o assunto era amor.
Painho e mainha se separaram e eu não
entendia voinha! Por que todo mundo tinha família e eu não tinha ninguém?! A senhora foi o porto seguro quando tudo parecia sem sentido.
Ninguém entendia quando eu
emudecia, bastava a senhora olhar pra mim e minhas lágrimas já desciam. Com tanto respeito
e admiração eu nunca soube negar um pedido, nem escondido eu fazia carão. Tudo
era assim, a gente nem brigava, antes de me aborrecer, calava...e já sabias que eu
estava abusada. Porque mesmo com todos os erros eu sei que me amavas.
Com voinha sempre foi assim: não tinha
tempo ruim! Se as coisas estavam boas, a gente orava, se estavam
ruins a gente orava e ainda louvava. Se estavam insuportáveis, a gente orava,
louvava, jejuava e fazia campanha de oração até Deus responder.
Nunca a vi de cara feia com
algum problema ou brigar com meu avô. Por essas e outras eu a achava perfeita, porque me fazias sentir assim também, perfeita...e ninguém no mundo me fez sentir
mais importante que a senhora, quando juntas estudávamos a Bíblia. Era um olhar de
respeito e gratidão que eu me emocionava.
Sei que jamais vou receber outro
presente como o que recebi...morar com alguém que já era um anjo de Deus pra
mim. Foi por causa de seu exemplo de vida que aceitei amor de Deus por mim, voinha. Eu queria
ser amada por um Pai, que sabia: eu era falha, mas precisava de amor. Porque todos precisam de amor.
Voinha, a senhora pode até morrer, mas sei que o que me ensinou jamais dormirá em mim. Eu te amo muito muito e lembro de
todo o amor que me deu quando eu precisei e não pedi.
Quando eu tinha medo e a senhora só olhava pra mim.
Lembro bem de todas as vezes que eu fui pro hospital e a senhora tinha medo de me perder, eu via isso, mas a senhora orava e a gente ia calma, porque Deus era nossa companhia.
Eu sei voinha, que não pude te
poupar de muita gente que não te respeitava e compreendia. Porque eu nem sabia
como me proteger! Ainda bem que pelo menos eu sempre amei você. Minha avó, minha mãe e minha única amiga.
De todas as idosas do mundo, a
senhora sempre foi a mais arengueira!
De todas as avós, a mais sábia.
De todas as mães, a mais
batalhadora.
De todas as pessoas, a mais
ingênua...eu tinha até raiva do tamanho da sua bondade e ingenuidade!
Te admirei a vida inteira, sempre
quis ser uma cristã como a senhora e desejei que Deus me desse a chance de te
dizer toda hora que eu te amo.
Pra muita gente eu sempre fui seu
chiclete, pra mim eu só te amei demais pra aguentar ficar longe. Quando Deus
nos separou, Ele queria me mostrar que o maior amor tem que ser dEle...hoje eu
sei disso, mas ainda não admito um dia te perder.
Sei que preciso aprender muito, e queria
que a senhora vivesse até morrermos juntas, porque meu desejo era que a senhora visse
que seus esforços não foram em vão e eu aprendi tudo o que me ensinou.
Queria também que me visse casar
um dia, e ter uma família, e a senhora ser a avó maravilhosa que é pra mais
gente também. Mas o futuro não é meu nem teu, voinha, o futuro é de Deus.
Aprove o Senhor minha oração, de
com essa carta te fazer sentir-se ainda mais amada, porque eu te amo mesmo, e quero
que sua memória nunca falhe nisso!
Nos encontraremos lá no céu, com
coroa de pedrinhas lapidadas e colocadas pela mão de Jesus. Tomara que lá no céu tenha sabonete senador
que é pra eu dar bem muito beijo quando a senhora sair do banho toda perfumada!
Te amo!
Te amo!
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