Uma criança. Uma mulher. Eu.
Fiquei sentada mesmo, sou sedentária e ainda que eu quisesse não poderia ficar em pé, sempre chamei muita atenção. Não sei se pela exótica cara de mau-humor ou se pela altura.
Passeando pela sala com meus olhos instigantes, curiosos e sedentos por um rosto que fosse, quem sabe um fato que me fizesse escrever. Mas nada. Abri um livro que trouxe na bolsa, ironicamente “A arte de escrever” e tornando a me fixar nas palavras dos outros fui interrompida na leitura que estava prestes a ganhar sabor, o que me irritou, pois obriguei Schopenhauer a abruptamente se calar.
Aborrecida fiquei, mas novamente ao levantar os olhos e examinar ao me redor, vi algo que poderia me salvar daquele raiva tediosa: uma revista! Sim, uma revista. Vamos lá caro leitor, não seja tão pedante. Não estou falando da Caras, tampouco da Ti-ti-ti, falo da Algo Mais, a revista pernambucana que até eu mesma desconhecia (e não estou tentando fazer propaganda barata, apenas tenho a honestidade de dar a César o que de César é!).
Estampado para mim o nome Clarice estava em alguns centímetros da margem direita da capa. Quase como a um susto respondi ao estímulo visual e de ímpeto tomei a revista em minhas mãos à procura dela. E a encontrei ali na foto de uma velha revista, sorrindo. E um riso misteriosamente escandaloso, como se quisesse debochar de mim rodeada de burgueses estúpidos e hipocondríacos.
Não me ofendi, comecei a ler a matéria que se intitulava: O Recife de Clarice, instantaneamente toda a minha alma caiu numa hilariante e absoluta gargalhada. A primeira imagem era de Clarice de luto no Centro do Recife, uma provocação a minha pessoa. Na página seguinte vi e bastou-me fechar os olhos para imaginar e sentir o cheiro daqueles sobrados da Boa Vista respirando.
Entendi. Clarice esteve aqui sempre, a rejeitei por tanto tempo para hoje estar toda Clarice, infectada por completo. E gosto dessa doença, me faz bem! Já triste fui para a página final, na verdade quase chorei pelas palavras escritas tão docemente ali. Engoli seco quando li o comentário de Raimundo Carrero, aquele que foi importante pra que eu aceitasse que não existiria sentido na minha vida sem as palavras. No comentário falava da influência da cidade onde nasci na obra dela.
Clarice impregnada de Recife, eu impregnada de Clarice, de Recife, de mim.
Clarice morreu para muitos, mas para mim ela está bem viva. Ao concluir a matéria fiquei como criança ansiosa em busca de presente. C. Lispector me olhou como se pedisse para ir comigo. Tive dó, um dó que vem do coração e atendi seu pedido tão clemente: Roubei as duas folhas que a continham. As duas folhas que mudaram o meu dia!
Mas as roubei com um nervoso de quem rouba milhões, Clarice poderia ter o rosto rasgado pelas mãos trêmulas de quem seqüestra em público. Puxei-as sorrateiramente até que ela piscou para mim, agradecendo pelo gesto bondoso de tirá-la dali.