Aqui já usei quase todo o meu repertório masoquista e desfiz boa parte das minhas ideias comunistas. Esse espaço é meu, mas desejei compartilhá-lo com o mundo, se você faz parte dele...Então seja muito bem vindo(a)!

sábado, 30 de abril de 2011

Pensamentos fragmentados

Fomos as últimas a sair, achei que teríamos que limpar o consultório e alimentar a médica.
A demora foi secular! Ouvir a televisão que se misturava aos meus pensamentos, e as conversas de dentro da sala em que eu estava à porta foi bem melhor do que eu esperei. Não ouvi mais do que sussurros, mas foi-me suficiente para despertar a agudeza da curiosidade e imaginação que me movem sempre. Ali estavam reunidas todas as mulheres grávidas do universo, tamanho era o espaço pequeno do consultório e a população presente.
Acho que de grávida ali só não estavam eu, minha mãe e a recepcionista também. Haviam grávidas de todos os tipos e cores. Dos mais variados tamanhos e formas. De magia, encanto e sedução. De olhos cansados, de olheiras e de numerosos pés.
Pés que estavam inchados.
Uma enxurrada de pensamentos me tomou. Encontrei tantas expressões, identifiquei variadas emoções, mas de tudo o que se mostrou naquela segunda-feira num consultório que mais parecia uma feira de grávidas, foi que pude sentir além do que minha limitada visão me permitiria num dia qualquer de férias.
Imaginei-me grávida e absurdamente caí numa hilariante gargalhada, mas que idéia! Passível e de fato impossível de se tornar real apesar da imensa beleza que enxergo nessa potencialidade feminina.
Depois da idéia então concebida, avaliei a produtividade sem medida e lá fiquei a observar aquele tanto de grávidas, muitas das quais assustadas.
Entregue ao desenfreado ritmo em que eu mentalmente já estava, fiquei olhando e escutando o discurso de desejo delas, dentre as quais uma me chamou a atenção. De um mau humor estonteante de quem pretende negar a realidade, ela não se achava grávida e não fosse a projeção já bastante saliente de seu ventre talvez até negasse o fato.
Impressionantemente quando eu já estava imersa completamente nas minhas idéias absurdas, minha mãe foi finalmente chamada para ser atendida, no momento de sua entrada, lembrei que já deveríamos ter saído e nessa interrupção de pensamento meu estômago avisou da fome iminente que tentei camuflar com água e doces.
Mas já era tarde, a fúria da impaciência me alcançou e eu não conseguiria fazer mais nada. Toda a produtividade acabou ali, quando parei e vi que só havia restado eu, a recepcionista e uma última grávida que saiu do consultório remando para então dar a vez a minha mãe.
Aquele dia que tudo tinha para ser tedioso, não foi. Sentada por muito tempo esperei minha mãe e só mesmo o escrever para me fazer esquecer a fome canina que me atacou repentinamente, quando comecei a redigir as impresões que ficaram em mim... ah, foi aí então que percebi o quanto este dia foi fértil e que o consultório tinha sido um laboratório natural de produção psicológica cujas estereotipias femininas graciosamente me permitiram ir além do que quase sempre vou: o de sentir a vida nitidamente num olhar de uma mulher.

Um comentário:

  1. Que coisa mais linda. Senti isso quando fui da última vez em minha médica, todas grávidas na espera (menos eu), inclusive uma das recepcionistas. Conversas sobre ansiedade, dúvidas e planos pro futuro. Para algumas o momento mais pleno.

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